terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O luxo descobre o Brasil

Com seus principais mercados em crise, as grifes mais glamourosas do mundo se voltam para os países emergentes - a previsão é que mais de 50 marcas desembarquem por aqui nos próximos anos

Germano Lüders

Shopping Cidade Jardim, em São Paulo: 75% das compras de luxo no Brasil são feitas na capital paulista
Por Carolina Meyer

Por onde quer que passe, a mais grave crise financeira dos últimos 80 anos tem deixado um aparentemente inesgotável rastro de devastação. Bancos centenários foram levados à bancarrota, grandes fundos de investimento evaporaram da noite para o dia e ícones do setor automotivo agonizam à espera de um bilionário resgate financeiro por parte dos governos da Europa e dos Estados Unidos. Agora, a crise ameaça alcançar um dos setores mais exuberantes da economia mundial: o de luxo.

O setor, que passou praticamente incólume pelas duas últimas recessões mundiais, deve crescer apenas 3% em 2008, ante a média de 10% nos últimos cinco anos. Para 2009, a previsão é que esse segmento, que movimenta 250 bilhões de dólares ao ano, até encolha. Diante de um cenário no qual a riqueza se esvai, algumas das grifes mais badaladas do mundo, como Gucci, Louis Vuitton e Armani, decidiram centrar esforços nos países emergentes e, com isso, tentar reduzir os efeitos da crise.

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Uma pesquisa realizada pela consultoria Bain & Company mostra que o mercado de luxo nos países que compõem o Bric (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia e China), com crise e tudo, deve crescer, em média, 25% nos próximos cinco anos. E o mercado brasileiro, com faturamento estimado hoje em 1,6 bilhão de dólares ao ano, é o que deve registrar o maior aumento nesse período: cerca de 35%.

O frenesi em torno desse crescimento é tal que recentemente o prestigiado jornal britânico The Guardian dedicou uma página inteira ao assunto. "O Brasil tornou-se um dos mercados mais atrativos do mundo para as marcas de luxo", afirma John Guy, especialista em mercado de luxo da corretora MF Global.

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O entusiasmo exibido pelas grifes de luxo em relação ao mercado brasileiro pode ser medido pela quantidade de marcas que chegaram ao país em 2008. De janeiro para cá, 20 marcas inauguraram operações próprias no país - quase o dobro do registrado em 2007. A lista inclui nomes como a italiana Emilio Pucci, que conta com apenas 30 lojas espalhadas pelo mundo, a francesa Goyard, maior concorrente da Louis Vuitton, e a americana Gant, uma das marcas de luxo mais bem-sucedidas dos Estados Unidos.

Nos próximos meses, outras dez grifes devem ter suas lojas inauguradas no país, entre elas a francesa Hermès, famosa por sua coleção de bolsas de couro e lenços de seda feitos à mão. O mesmo estudo da consultoria Bain & Company estima que essa invasão esteja apenas no começo. Mais de 50 grifes de luxo devem se estabelecer no Brasil nos próximos cinco anos.

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Ao mesmo tempo, as marcas que já haviam se estabelecido no país decidiram acelerar seus planos de expansão. A Armani, por exemplo, pretende inaugurar outras sete lojas por aqui até 2009. A Louis Vuitton vai abrir sua quinta loja em Brasília. Dior, Bvlgari e Givenchy também planejam novas unidades até o final do ano que vem. "Para as marcas de luxo, não existe crise no Brasil", afirma Lorre White, uma renomada especialista no mercado de luxo. "Apesar de representar muito pouco nas vendas dessas marcas, a maioria aposta em seu potencial de crescimento."

Não é de hoje que as grifes internacionais estão de olho nos mercados emergentes como forma de catapultar seu crescimento. Cada vez mais pressionadas por resultados, essas marcas - a maioria pertencente a grandes conglomerados - têm procurado alternativas à estagnação de seus mercados mais tradicionais na Europa, nos Estados Unidos e no Japão. "A crise financeira apenas acelerou o processo", afirma Pamela Danziger, presidente da consultoria Unity Marketing, especializada no segmento de luxo.

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No caso específico do Brasil, o otimismo pode ser explicado pela combinação de dois fatores. Um deles é a produção em série de novos milionários. Nos últimos dois anos, o efervescente mercado de capitais no Brasil acabou criando uma legião de novos-ricos, num ritmo superior a qualquer outro país do mundo. Segundo dados do banco de investimento Merrill Lynch, ao longo de 2007 surgiram 63 novos milionários por dia no país. O número de pessoas com patrimônio superior a 1 milhão de dólares aumentou de 92 000 em 2002 para 143 000 em 2007, um salto de 55%. Hoje, há mais milionários no Brasil do que na Índia ou na Rússia, famosa por seus oligarcas. E, pelo menos até o momento, a crise no mercado de capitais parece não ter alterado significativamente esse quadro.

O quadrilátero das grifes
O segundo fator que explica o interesse dessas grifes, sobretudo em um momento de retração lá fora, está relacionado às características do mercado de luxo brasileiro. Por aqui, a esmagadora maioria das receitas ainda vem de consumidores de alta renda, um processo diferente do que acontece em outros países. No exterior, o crescimento dos últimos anos foi puxado pela ascensão da classe média, ansiosa por adquirir o status que esse tipo de produto dá.

No Brasil, a expansão do crédito verificada nos últimos dois anos definitivamente não foi suficiente para alçar a classe média ao exuberante mercado de luxo. É uma má notícia, por um lado. Por outro, as empresas do setor ainda enxergam por aqui uma clientela de alto padrão não suficientemente atendida e que, apesar da crise, ainda tem recursos suficientes para comprar um novo relógio ou um exemplar de uma nova coleção de bolsas.

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"No Brasil, o consumo de luxo ainda é restrito ao alto do topo da pirâmide, um grupo pouco suscetível às oscilações no crédito", afirma Cláudia D’Arpizio, da Bain & Company. "E as empresas acham que muitos dos membros dessa elite ainda não entraram para valer nesse tipo de consumo."

Elas estão chegando
Com tais peculiaridades, não surpreende que o Brasil tenha um perfil singular na comparação com seus pares do mundo emergente, principalmente quando o assunto é o gasto per capita. Um levantamento inédito realizado pelas consultorias MCF e GfK, especializadas no segmento de luxo, ajuda a mensurar essas diferenças.

Em média, os consumidores brasileiros de luxo gastam 3 000 reais a cada compra e não raro fazem de duas a três aquisições por mês. Isso faz com que o consumo mensal de artigos de luxo no Brasil, por cliente, seja da ordem de 2 800 dólares por mês. É um número quatro vezes maior do que o verificado na Índia e o dobro do que gasta um consumidor chinês. Existem algumas diferenças também em relação à idade e à escolaridade do cliente-padrão.

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De acordo com o estudo, mais da metade dos compradores brasileiros de marcas de prestígio é mulher com nível superior e idade entre 26 e 35 anos. Na China e na Rússia, o público dessas grifes são mulheres mais jovens, com idade entre 20 e 30 anos, e elas nem sempre têm diploma. Na disputa por essa clientela altamente exigente, muitas empresas desenvolveram serviços específicos para o mercado brasileiro.

A filial local da Armani, por exemplo, é a única no mundo em que o cliente pode parcelar suas compras em até dez vezes no cartão de crédito, independentemente do valor envolvido. "No início, foi difícil para a matriz italiana entender essa peculiaridade do consumidor brasileiro", afirma André Brett, dono da marca no Brasil. "Trata-se de uma questão cultural. Aqui, toda compra é parcelada, ainda que o cliente tenha condições financeiras de pagá-la à vista."

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A concentração dessa clientela, e das lojas que trabalham com ela, é outro dado que chama a atenção no universo do luxo brasileiro. Mesmo com um vasto território e com uma legião de clientes endinheirados que fizeram fortuna com o agronegócio, aproximadamente 75% dos artigos de luxo do Brasil são vendidos na cidade de São Paulo. E, desse total, 95% são comprados numa região que ficou conhecida como Quadrilátero do Luxo.

Trata-se de uma área de pouco mais de 2,6 quilômetros de raio que concentra os quatro principais pontos-de-venda de grifes famosas do país: o shopping Iguatemi, no bairro de Pinheiros, as imediações da rua Oscar Freire, nos Jardins, a Villa Daslu, no bairro da Vila Olímpia, e o Shopping Cidade Jardim, localizado próximo à marginal Pinheiros. Juntos, esses centros reúnem mais de 150 marcas, algumas com lojas tão sofisticadas quanto as encontradas em grandes centros, como Londres ou Nova York.

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É o caso da fabricante de relógios Rolex, que inaugurou uma loja própria no Shopping Cidade Jardim. A filial brasileira conta com a linha completa de relógios desenvolvidos pela marca, sem dividir espaço com outras grifes, como acontece normalmente. Como essa, existem apenas outras cinco no mundo. "O público brasileiro é bastante sofisticado, e as grifes estão começando a se dar conta disso", afirma Carlos Ferreirinha, da consultoria MCF. Nos próximos meses, a região do Quadrilátero deve ainda ganhar outros dois centros de luxo. O Shopping JK, do grupo Iguatemi, e o Vila Olímpia, do grupo Multiplan, devem ser inaugurados em 2009 e contarão com grifes como Armani e Ermenegildo Zegna.

 A força dos emergentes
Com a grande quantidade de novos empreendimentos, pode parecer que o Brasil vive uma espécie de bolha do luxo. A verdade é bem diferente disso. No universo de nomes sofisticados como Prada, Hermès, Gucci, Chanel e Louis Vuitton só existe uma coisa mais "degradante" para a marca do que a realização de grandes liquidações: o fechamento de uma filial por mau desempenho de vendas.

Para essas empresas, a abertura de novos pontos é quase sempre uma decisão definitiva e não raro leva anos até ser tomada. O que está acontecendo agora no país foi, portanto, decidido há muito tempo e, nesse sentido, o passado de instabilidade econômica ainda pesa contra o Brasil, fazendo com que o ritmo de abertura de lojas, embora intenso para os padrões nacionais, aconteça em ritmo mais lento do que o ocorrido na China ou na Rússia.

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A grife francesa Hermès é um bom exemplo disso. A decisão de abrir a primeira loja no Brasil levou dez anos para ser tomada. No mesmo período, foram inauguradas duas filiais na Rússia, 11 na China, 15 na Coréia do Sul e seis em Cingapura. "Desde a nossa inauguração, em 1837, nunca fechamos uma única loja", afirmou a EXAME Christian Blanckaert, vice-presidente executivo da Hermès para assuntos internacionais. "E não pretendemos começar a fazer isso logo agora."

Apesar das boas perspectivas de crescimento nos próximos anos, é consenso entre especialistas de mercado que o Brasil ainda está longe de se tornar um centro de consumo de luxo com peso internacional. O país conta com uma das taxas de importação mais altas do mundo, em torno de 60%. Na China e na Rússia, seus principais concorrentes, a alíquota média para produtos de luxo é 20%.

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Com tarifas tão elevadas e uma moeda cada vez mais desvalorizada, os artigos de luxo vendidos por aqui chegam a custar 30% a mais do que os encontrados nos mercados desenvolvidos, como Europa e Estados Unidos. Essa distorção faz com que o que já seria naturalmente caro acabe se tornando praticamente inacessível. Além disso, o avanço da economia brasileira é visto com certa desconfiança por muitos executivos do setor, escaldados por anos de fortes oscilações na demanda interna.

O resultado é um ritmo de crescimento ainda mais cauteloso em comparação com outros países. A abertura da primeira loja da grife italiana Gucci no país, controlada pela rede de varejo PPR, por exemplo, foi adiada em um mês neste ano. Ao mesmo tempo, foram inauguradas duas novas lojas na China. "Muitas grifes que estão se estabelecendo no Brasil ainda estão pagando para ver", afirma Laudomia Pucci, co-diretora da grife italiana Pucci. A diferença é que antes elas nem isso faziam. O fato é que o cenário de penúria em muitos países acabou beneficiando o luxo no Brasil.

Revista Exame - 11.12.2008

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